Os capítulos 10, 11 e 12 do primeiro livro dos Reis descrevem a transição do auge ao declínio do reinado de Salomão, culminando na divisão do reino de Israel.
Este trecho das Escrituras é fundamental para entendermos não apenas a glória de Salomão, mas também sua decadência espiritual e política.
É um ponto de virada dramático na história de Israel, onde a fidelidade a Deus se choca com a busca pelo poder e pelos prazeres do mundo.
O capítulo 10 apresenta o clímax da sabedoria e prosperidade de Salomão, com destaque para a visita da rainha de Sabá, que confirma a fama do rei.
Em contraste, o capítulo 11 revela a queda espiritual de Salomão, influenciado por suas muitas esposas estrangeiras, levando-o à idolatria. Deus, então, anuncia a divisão do reino como consequência direta da desobediência do rei.
Finalmente, o capítulo 12 marca o início efetivo da divisão, com Roboão rejeitando o conselho dos anciãos e o povo proclamando Jeroboão como rei sobre Israel.
A narrativa revela os efeitos duradouros das escolhas espirituais e políticas feitas por Salomão e seus sucessores. Este artigo apresenta uma análise teológica e histórica, explorando em profundidade cada um desses eventos cruciais.
A visita da rainha de Sabá (1Rs 10:1-13)
A visita da rainha de Sabá é um dos relatos mais notáveis da fama de Salomão. Vinda de uma região rica (provavelmente a atual região do Iêmem), a rainha busca verificar pessoalmente a sabedoria e a riqueza atribuídas ao rei de Israel.
Ela traz consigo uma grande comitiva e muitos presentes, simbolizando o respeito e admiração internacional por Salomão.
Esse evento destaca o cumprimento das promessas divinas em 1Rs 3:11-13, onde Deus concedeu sabedoria e riqueza ao rei.
Salomão responde a todas as perguntas da rainha, demonstrando um discernimento e uma compreensão sobrenaturais.
O texto enfatiza não apenas o conhecimento intelectual, mas também a organização de seu reino, a eficiência de sua administração e a reverência ao culto ao Senhor.
A rainha, ao presenciar tudo isso, fica admirada e reconhece que nem metade da glória havia sido relatada.
Ela louva ao Senhor, reconhecendo ser por amor a Israel que Deus colocou Salomão como rei, para fazer “juízo e justiça” (1Rs 10:9).
A visita termina com uma troca de presentes e a constatação de que a fama de Salomão era merecida.
Esse momento ilustra o ideal de uma nação abençoada por Deus, influenciando positivamente os povos ao redor.
A opulência e a glória de Salomão (1Rs 10:14-29)
A segunda parte do capítulo 10 enfatiza a riqueza incomparável de Salomão. Anualmente, ele recebia 666 talentos de ouro, sem contar as rendas provenientes de comerciantes e aliados estrangeiros.
Essa riqueza era usada para a construção de escudos, tronos, utensílios e decorações luxuosas, tudo em ouro puro, demonstrando um reino em seu auge.
A descrição do trono de marfim coberto de ouro, ladeado por leões, e a fartura de objetos preciosos, como marfim e pavões, mostram um ambiente de luxo extremo.
Entretanto, à luz de Deuteronômio 17:16-17, o acúmulo de ouro, cavalos e mulheres por parte do rei era proibido, pois podia levá-lo à autoconfiança e à idolatria.
Apesar da grandeza externa, começa a se delinear uma tensão interna: esse luxo era sustentado por pesados tributos e trabalho forçado, que mais tarde gerariam descontentamento popular. Salomão estava, sem perceber, plantando as sementes da divisão do reino.
A idolatria de Salomão e sua queda espiritual (1Rs 11:1-13)
O capítulo 11 marca a virada dramática na história de Salomão. Contra a clara orientação de Deus (Dt 7:3-4), ele se casa com muitas mulheres estrangeiras, totalizando 700 esposas e 300 concubinas.
Essas alianças, muitas vezes políticas, corrompem o coração do rei, levando-o a adorar deuses pagãos como Astarote, Milcom e Quemos.
A idolatria de Salomão não foi um desvio acidental, mas um abandono deliberado da aliança com o Senhor.
Ele constrói altares para esses deuses em locais elevados, inclusive no monte das Oliveiras, frente a Jerusalém, um ato de afronta à centralização do culto em Sião.
Isso representa uma violação direta à exclusividade do culto a Javé, fundamento do monoteísmo israelita.
Como consequência, Deus pronuncia juízo contra Salomão: o reino seria dividido, mas não em seus dias, por amor a Davi.
Apenas uma tribo seria deixada para seu filho, mantendo assim a promessa da dinastia davídica. A infidelidade de Salomão marca o início de um longo período de instabilidade em Israel.
O surgimento dos adversários de Salomão (1Rs 11:14-40)
Como parte do juízo divino, o Senhor levanta adversários para confrontar Salomão.
O primeiro é Hadade, um príncipe edomita que retorna à sua terra para vingar o massacre cometido por Joabe.
O segundo é Rezom, que estabelece um reino independente em Damasco, representando uma perda estratégica para Israel.
O terceiro e mais significativo é Jeroboão, servo de Salomão, a quem o profeta Aías prediz que receberá dez tribos de Israel.
O gesto simbólico de rasgar a capa em doze partes e entregar dez a Jeroboão confirma a decisão divina. Jeroboão é chamado a obedecer a Deus e liderar Israel de forma justa.
A reação de Salomão é tentar matar Jeroboão, repetindo o erro de Saul contra Davi. Jeroboão foge para o Egito, onde permanece até a morte do rei.
Salomão, em vez de se arrepender, tenta resistir à vontade de Deus, evidenciando seu distanciamento espiritual.
A divisão do reino e a insensatez de Roboão (1Rs 12:1-24)
Com a morte de Salomão, seu filho Roboão assume o trono e vai a Siquém, onde as tribos de Israel se reúnem para confirmá-lo como rei.
Jeroboão retorna do Egito e, com o povo, pede alívio dos pesados encargos impostos por Salomão.
Roboão consulta dois grupos: os anciãos, que recomendam brandura, e os jovens, que aconselham dureza.
Infelizmente, Roboão segue o conselho dos jovens, ameaçando o povo com uma tirania ainda maior.
Ele diz: “Meu dedo mínimo é mais grosso do que os lombos de meu pai” (1Rs 12:10). Essa atitude precipitada e arrogante leva à ruptura entre Judá e as demais tribos.
Dez tribos rejeitam Roboão e proclamam Jeroboão como rei. Roboão tenta reagir militarmente, mas é advertido por um profeta a não lutar contra seus irmãos, pois essa divisão vinha do Senhor.
O reino, agora dividido entre Israel (norte) e Judá (sul), entra em uma nova e turbulenta fase.
A idolatria de Jeroboão e os falsos centros de culto (1Rs 12:25-33)
Jeroboão, temendo perder o controle de seu povo caso eles voltassem a adorar em Jerusalém, estabelece novos centros de culto em Betel e Dã.
Ele fabrica dois bezerros de ouro e declara: “Eis aqui teus deuses, ó Israel, que te fizeram subir da terra do Egito” (1Rs 12:28).
Esses atos configuram grave apostasia. Jeroboão não apenas institui a idolatria, como também cria um novo sacerdócio, desvinculado da tribo de Levi, e altera o calendário religioso.
Ele mesmo oficia como sacerdote, usurpando funções que pertenciam exclusivamente à linhagem levítica. Essas práticas levam Israel a pecar gravemente, e muitos fiéis fogem para Judá.
Jeroboão buscava estabilidade política, mas comprometeu a fidelidade espiritual do povo. A história de Israel será, a partir de então, marcada por idolatria e instabilidade.
Conclusão
Os capítulos 10 a 12 de 1º Reis retratam uma narrativa intensa de glória, decadência e divisão.
Começando com a sabedoria admirável de Salomão e sua riqueza inigualável, a história rapidamente evolui para uma decadência moral e espiritual, culminando na idolatria e no juízo divino.
A visita da rainha de Sabá simboliza o auge, enquanto a idolatria marca o declínio.
A trajetória de Salomão é um alerta sobre como a desobediência pode corroer até mesmo os alicerces mais sólidos.
O afastamento de Deus trouxe não apenas consequências pessoais, mas também nacionais.
Roboão, com sua imprudência, contribui para a concretização desse juízo, e Jeroboão perpetua o erro com a idolatria institucionalizada.
Essa porção das Escrituras nos convida à reflexão sobre liderança, fidelidade e dependência de Deus.
A história mostra que começar bem não é garantia de terminar bem. Que possamos aprender com os erros do passado e buscar seguir fielmente ao Senhor, mesmo em meio às pressões e desafios do presente.
Referências Bibliográficas
BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos Almeida. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2ª edição, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
MacDonald, William. Comentário bíblico popular. Antigo Testamento. 1ª edição, São Paulo: Mundo Cristão, 2004.