Os capítulos iniciais do primeiro livro dos Reis marcam uma transição crucial na história de Israel: a passagem do reinado de Davi para o de Salomão.
Este momento é carregado de tensões políticas, desafios familiares e manifestações claras da soberania de Deus na sucessão real.
Davi, já velho e debilitado, é confrontado por uma tentativa de usurpação do trono por parte de seu filho Adonias, desencadeando uma série de eventos determinantes para o futuro do povo de Israel.
Ao longo desses capítulos, vemos a sabedoria divina conduzindo os acontecimentos.
Mesmo em meio à ambição e à traição, a vontade do Senhor prevalece por meio da intervenção do profeta Natã e da fidelidade da rainha-mãe Bate-Seba.
A unção de Salomão como rei é não somente uma decisão humana, mas uma confirmação da promessa divina feita a Davi.
A narrativa também enfatiza o princípio de justiça e ordem, característico do futuro reinado de Salomão.
O novo rei assume o trono não apenas com autoridade, mas também com uma missão clara: consolidar o reino e remover todos os elementos que ameaçassem a paz e a estabilidade de Israel.
A velhice de Davi e a escolha de Abisague
Nos primeiros versículos do capítulo 1, somos informados de que o rei Davi já estava velho e fisicamente frágil: “envolviam-no com roupas, porém não se aquecia” (1Rs 1.1).
Seus servos propuseram então que se buscasse uma jovem donzela para cuidar dele e lhe trazer calor.
A jovem Abisague, a sunamita, foi escolhida por sua formosura e passou a servi-lo, mas o texto enfatiza que o rei “não a possuiu” (v. 4), destacando a pureza da intenção do gesto.
A presença de Abisague à cabeceira de Davi representava também uma espécie de legitimação simbólica da autoridade do rei.
Mais tarde, no capítulo 2, essa relação simbólica se torna uma questão delicada, quando Adonias tenta desposar Abisague, o que Salomão interpreta como uma ameaça à sua autoridade real.
Esse detalhe inicial revela que, mesmo em sua fragilidade, Davi continuava sendo o centro das atenções e dos conflitos internos da corte.
A necessidade de proteger sua autoridade e garantir uma transição legítima de poder já estava implícita no cuidado com sua figura real.
A tentativa de usurpação por Adonias
Adonias, filho de Hagite, aproveitando-se da debilidade de seu pai, “se exaltou e disse: Eu reinarei” (1Rs 1.5).
Com apoio de Joabe e do sacerdote Abiatar, preparou uma comitiva e promoveu uma cerimônia simbólica de entronização.
A ausência de repreensão por parte de Davi ao comportamento de Adonias (v. 6) sugere uma criação permissiva, o que contribuiu para a audácia do primogênito.
O ato de Adonias de imolar ovelhas e bois junto à pedra de Zoelete foi mais que um gesto religioso: tratou-se de uma tentativa de tomar o trono por força política.
Ele convidou os demais filhos do rei e seus aliados, mas deliberadamente excluiu Salomão, Natã, Benaia e os valentes de Davi (v. 10), sinalizando sua intenção de isolar e neutralizar qualquer oposição.
Essa usurpação revelou uma divisão clara na corte: de um lado, os aliados de Adonias; de outro, os leais a Davi e ao plano divino para Salomão.
A crise exigiu a intervenção urgente do profeta Natã e de Bate-Seba para restaurar a ordem.
A Intervenção de Natã e Bate-Seba
Natã, o profeta, agiu com sabedoria ao alertar Bate-Seba sobre a trama de Adonias (1Rs 1.11).
Ela, então, foi ao encontro de Davi para lembrá-lo de sua promessa de que Salomão seria o seu sucessor.
A estratégia de Natã era clara: provocar uma ação imediata do rei antes que Adonias consolidasse seu poder.
Bate-Seba apresentou-se respeitosamente diante do rei e o fez recordar de sua promessa solene.
Ela advertiu que, caso Adonias consolidasse sua ascensão, ela e seu filho seriam considerados inimigos do novo regime (v. 21).
Logo em seguida, Natã confirmou suas palavras, reforçando a gravidade da situação.
Davi, então, reafirmou publicamente sua decisão: “Teu filho Salomão reinará depois de mim e se assentará no meu trono” (v. 30).
Assim, deu-se início à cerimônia pública de unção, demonstrando a escolha divina e real de Salomão como sucessor.
A unção de Salomão e a reação popular
A unção de Salomão foi conduzida por Zadoque, o sacerdote, e Natã, o profeta, à beira da fonte de Giom (1Rs 1.33-39).
A escolha do local não foi aleatória: diferentemente da reunião secreta de Adonias, essa foi uma cerimônia pública e cheia de significado, reforçando a legitimação do novo rei.
Com a proclamação de “Viva o rei Salomão!” (v. 34), a população se alegrou imensamente.
O som das trombetas e os gritos do povo ecoaram em Jerusalém, até serem ouvidos por Adonias e seus convidados, ainda celebrando sua própria entronização. O clima de festa se transformou em medo e desespero.
A reação de Davi foi de gratidão: “Bendito o SENHOR, Deus de Israel, que deu, hoje, quem se assente no meu trono, vendo-o os meus próprios olhos” (v. 48).
Adonias, temendo pela própria vida, procurou asilo no altar, suplicando misericórdia. Salomão, em um gesto de sabedoria e clemência, poupou sua vida com a condição de que não voltasse a conspirar.
As instruções finais de Davi
No capítulo 2, Davi, à beira da morte, instruiu Salomão com palavras profundas: “Coragem, pois, e sê homem!” (1Rs 2.2).
Ele o exortou a guardar os preceitos do Senhor, conforme a Lei de Moisés, para que prosperasse em tudo quanto fizesse (v. 3).
Davi também deu orientações específicas sobre Joabe, Abiatar, Barzilai e Simei. Joabe, que derramara sangue inocente, deveria ser executado; Abiatar, por seu apoio a Adonias, seria afastado do sacerdócio; os filhos de Barzilai deveriam ser honrados; e Simei, que outrora amaldiçoara Davi, deveria ser vigiado de perto.
Estas recomendações mostram a preocupação de Davi com a estabilidade do reino e a necessidade de justiça.
Ele buscava garantir que Salomão iniciasse seu governo em uma base sólida, sem ameaças internas.
O reinado de Salomão se consolida
Com a morte de Davi, Salomão assumiu o trono e começou rapidamente a agir para consolidar seu reinado (1Rs 2.12).
Quando Adonias pediu Abisague por esposa, Salomão viu nisso uma tentativa de reivindicar o trono, e ordenou sua execução (v. 24-25).
Abiatar foi exilado em Anatote, encerrando sua função sacerdotal, em cumprimento à palavra do SENHOR sobre a casa de Eli (v. 27). Abiatar era filho de Aimeleque, portanto, descendente de Eli.
Joabe, ao saber disso, fugiu e buscou asilo no altar, mas foi morto por ordem de Salomão, devido aos assassinatos de Abner e Amasa (v. 31-34).
Por fim, Simei foi confinado a Jerusalém, com a condição de não sair. Três anos depois, quebrou o acordo, sendo executado (v. 46). Assim, “se firmou o reino sob o domínio de Salomão” (v. 46).
Conclusão
Os dois primeiros capítulos de 1º Reis apresentam uma narrativa rica em conflitos, emoções e ensinamentos.
Vemos como a soberania de Deus se manifesta mesmo nas situações mais conturbadas, conduzindo os acontecimentos para o cumprimento de Suas promessas.
A sucessão de Davi por Salomão foi marcada pela fidelidade de alguns e pela traição de outros, mas acima de tudo, pela intervenção divina.
A figura de Salomão se destaca pela sua sabedoria inicial e capacidade de tomar decisões firmes e justas.
A execução de seus opositores não foi mero ato de vingança, mas uma necessidade para estabilizar o reino e cumprir a vontade de Deus revelada a Davi.
Esse trecho bíblico nos ensina sobre liderança, fidelidade, justiça e obediência a Deus.
É um chamado para que cada líder, espiritual ou não, busque sabedoria em Deus para conduzir suas responsabilidades com temor, zelo e integridade, tal como Salomão começou a fazer ao assumir o trono de Israel.
Referências Bibliográficas
BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos Almeida. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2ª edição, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
MacDonald, William. Comentário bíblico popular. Antigo Testamento. 1ª edição, São Paulo: Mundo Cristão, 2004.