O livro de Ester é uma narrativa singular no Antigo Testamento. Os capítulos 6 a 10 são essenciais para a compreensão do desfecho dessa narrativa, marcando uma reviravolta crucial para o povo judeu que se encontrava em perigo de extermínio.
Esses capítulos destacam a justiça soberana de Deus e a exaltação dos fiéis. Mordecai, antes ameaçado de morte, é honrado publicamente, enquanto Hamã, o inimigo dos judeus, é executado na forca que ele mesmo construiu.
A corajosa intervenção da rainha Ester, a promoção de Mordecai e o decreto que permite aos judeus se defenderem são eventos que culminam na instituição da festa de Purim.
A análise teológica e exegética desses capítulos revela a mão invisível de Deus dirigindo a história.
O autor do livro de Ester constrói uma narrativa repleta de reversões e simbolismos que ensinam lições profundas sobre fidelidade, coragem, justiça e redenção.
Vamos explorar esses cinco últimos capítulos por meio de seis tópicos fundamentais.
A Insônia do rei e a exaltação de Mordecai (Ester 6)
No capítulo 6, vemos um notável ato da providência divina: o rei Assuero não consegue dormir e solicita a leitura do Livro dos Feitos Memoráveis. Justamente o trecho que fala da lealdade de Mordecai é lido.
Descobre-se que o homem que salvara a vida do rei não fora recompensado, desencadeando uma série de eventos que culminam na sua exaltação.
“Naquela noite, o rei não pôde dormir; então, mandou trazer o Livro dos Feitos Memoráveis…” (Ester 6:1).
A ironia atinge seu ápice quando Hamã, vindo para pedir a morte de Mordecai, é surpreendido com a pergunta do rei sobre como homenagear aquele a quem deseja honrar.
Pensando ser ele o favorecido, Hamã sugere uma cerimônia real. O rei, então, ordena que o próprio Hamã execute a homenagem a Mordecai.
“Apressa-te, toma as vestes e o cavalo, como disseste, e faze assim para com o judeu Mordecai…” (Ester 6:10).
Este episódio ilustra a verdade de Provérbios 16:18: “A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito, a queda.”
O orgulho de Hamã foi usado por Deus para engrandecer Mordecai, e isso demonstra que, mesmo quando parece ausente, Deus trabalha em favor dos seus.
A denúncia de Ester e a queda de Hamã (Ester 7)
Durante o segundo banquete promovido por Ester, ela finalmente revela seu pedido ao rei: que sua vida e a de seu povo sejam poupadas.
Ela expõe a trama genocida tramada por Hamã, seu convidado presente, acusando-o diretamente. “O adversário e inimigo é este mau Hamã” (Ester 7:6). Essa revelação choca o rei, levando-o à ira.
Assuero, ao ouvir a acusação, sai furioso para o jardim. Quando retorna, encontra Hamã suplicando por sua vida junto a Ester, numa posição comprometida que o rei interpreta como uma tentativa de abuso.
Isso sela o destino de Hamã. “Cobriram o rosto de Hamã” (Ester 7:8), sinal de que sua morte era iminente.
Harbona, um dos eunucos, lembra ao rei da forca preparada por Hamã para Mordecai.
O rei, então, ordena: “Enforcai-o nela” (Ester 7:9). Assim, Hamã sofre a pena que ele mesmo havia planejado para seu inimigo, ilustrando a justiça divina que reverte o mal contra seus autores.
A promoção de Mordecai e o novo decreto (Ester 8)
Com a morte de Hamã, seus bens são entregues à rainha Ester, e Mordecai recebe o anel real, sendo promovido ao posto de autoridade.
“Tirou o rei o seu anel… e o deu a Mordecai” (Ester 8:2). O homem que antes era perseguido agora assume a função de primeiro-ministro, revelando a reversão operada pela providência divina.
Contudo, o decreto anterior que autorizava o extermínio dos judeus ainda estava em vigor.
Ester intercede novamente, com lágrimas, pedindo ao rei que permita a revogação da sentença.
Como os decretos persas não podiam ser anulados, o rei permite que seja redigido um novo edito, autorizando os judeus a se defenderem.
O novo decreto é redigido por Mordecai e enviado a todas as províncias do império.
“O rei concedia aos judeus… que se reunissem e se dispusessem para defender a sua vida” (Ester 8:11).
Este ato traz alívio e esperança ao povo judeu, que celebra com festas e banquetes.
A vitória dos judeus sobre seus inimigos (Ester 9:1-15)
Chega o dia do confronto: o dia treze de Adar. Em vez de serem exterminados, os judeus se reúnem e prevalecem contra seus inimigos.
“Sucedeu o contrário, pois os judeus é que se assenhorearam dos que os odiavam” (Ester 9:1). A mão de Deus guiou os acontecimentos para livrar seu povo.
Os judeus derrotam seus inimigos em todas as províncias, incluindo a cidade de Susã. Nela, quinhentos homens e os dez filhos de Hamã são mortos.
Por pedido de Ester, os corpos desses filhos são pendurados e um novo dia de combate é autorizado em Susã, resultando na morte de mais trezentos.
Importante notar que, em nenhum momento, os judeus tocaram nos despojos. Isso demonstra que seu objetivo não era o lucro, mas a autodefesa e a justiça. A ausência de saque reforça a legitimidade de sua ação.
A instituição da Festa de Purim (Ester 9:16-32)
A vitória dos judeus é celebrada com alegria e banquetes. Em todas as províncias, o dia 14 de Adar é estabelecido como dia de festas.
Em Susã, a celebração ocorre no dia 15, pois os combates ali duraram dois dias. “O mês que se lhes mudou de tristeza em alegria, e de luto em dia de festa” (Ester 9:22).
Mordecai registra esses acontecimentos e envia cartas instituindo os dias 14 e 15 de Adar como a festa de Purim, nome derivado da palavra “Pur” (sorte), em referência às sortes lançadas por Hamã para determinar o dia do extermínio.
A festa celebra a reversão do decreto de morte e a salvação do povo. A carta de instituição da festa é confirmada por Ester e Mordecai com palavras de paz e verdade.
“Esses dias de Purim jamais caducarão entre os judeus…” (Ester 9:28). Até hoje, os judeus comemoram Purim como memória viva da fidelidade de Deus.
O legado de Mordecai (Ester 10)
O último capítulo do livro é uma breve conclusão que destaca a exaltação de Mordecai e seu legado.
“O judeu Mordecai foi o segundo depois do rei Assuero, e grande para com os judeus” (Ester 10:3). Ele se torna um estadista respeitado, empenhado no bem-estar do seu povo.
Seu nome é registrado nas crônicas dos reis da Média e da Pérsia, simbolizando sua importância histórica e espiritual.
Diferente de muitos personagens bíblicos, o texto não menciona sua morte, apontando para um legado perene. “Aquele, porém, que faz a vontade de Deus, permanece eternamente” (1ª João 2:17).
Mordecai é apresentado como um tipo de Cristo: exaltado à destra do rei, intercede pelo povo e promove a paz e a justiça.
Seu exemplo inspira os cristãos a usarem sua posição para a glória de Deus e o bem do próximo.
Conclusão
Os capítulos finais do livro de Ester revelam a poderosa atuação da providência divina na história humana.
A insônia do rei, a coragem de Ester, a promoção de Mordecai e a salvação dos judeus são evidências claras de que Deus governa soberanamente, mesmo quando não é mencionado.
Ester e Mordecai são modelos de fidelidade, coragem e sabedoria. Ambos colocaram suas vidas em risco pelo bem do povo, e Deus os usou poderosamente para transformar a ameaça de morte em vitória e celebração. A instituição da festa de Purim é a marca dessa redenção.
Este relato é também um lembrete de que Deus continua operando nos bastidores de nossa história.
Ele é justo juiz, defensor dos seus e Senhor da história. Que a leitura de Ester nos inspire a confiar plenamente em sua soberania e fidelidade.
Referências Bibliográficas
BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos Almeida. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2ª edição, São Paulo:Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
MacDonald, William. Comentário bíblico popular. Antigo Testamento. 1ª edição, São Paulo: Mundo Cristão, 2004.