Nos últimos quatro capítulos, encontramos uma síntese da sabedoria acumulada ao longo da obra, culminando em conselhos práticos e uma conclusão que aponta para Deus como a verdadeira referência da vida humana.
Eclesiastes 9 a 12 oferece uma visão realista, por vezes melancólica, mas sempre sincera sobre a condição humana.
Aqui, o autor analisa a situação comum entre justos e injustos, o valor prático da sabedoria, a efemeridade da juventude e o inevitável declínio da velhice.
Esses capítulos contêm imagens poéticas poderosas e conselhos que permanecem atualíssimos para o leitor moderno.
Ao longo deste artigo, serão abordados seis tópicos principais, que detalham e interpretam teologicamente os ensinamentos dos capítulos 9 a 12 de Eclesiastes.
É um convite à reflexão profunda sobre como devemos viver em um mundo tão incerto, mas onde Deus continua soberano.
A situação comum de todos os homens (Eclesiastes 9:1-6)
Salomão inicia o capítulo 9 com uma observação perturbadora: “os justos, e os sábios, e os seus feitos estão nas mãos de Deus” (Ec 9:1), mas nem mesmo eles sabem o que o futuro lhes reserva.
O autor reconhece que, sob o ponto de vista humano, amor e ódio, prosperidade ou desgraça, são realidades que acometem tanto os bons quanto os maus.
Essa incerteza evidencia a vaidade do controle humano sobre a vida.
No versículo 2, Salomão expõe a universalidade da morte: tanto os que servem a Deus quanto os que O rejeitam estão sujeitos ao mesmo fim.
Esse princípio desafia a teologia da retribuição imediata, comum no pensamento judaico da época.
A morte, como niveladora da humanidade, é apresentada como a maior injustiça do mundo caído.
Contudo, há uma fagulha de esperança: “Para aquele que está entre os vivos, há esperança” (Ec 9:4).
Enquanto houver vida, ainda é possível agir, amar, corrigir erros e buscar sentido.
A comparação entre o cão vivo e o leão morto ilustra bem essa ideia: mesmo uma vida modesta é preferível à inexistência.
Viva intensamente com responsabilidade (Eclesiastes 9:7-10)
O Pregador exorta: “Vai, pois, come com alegria o teu pão” (Ec 9:7). A mensagem aqui é clara: enquanto estivermos vivos, devemos aproveitar os frutos do nosso trabalho com alegria.
O prazer das coisas simples da vida é visto como uma expressão da bênção de Deus.
Salomão reforça a importância da vida conjugal: “Goza a vida com a mulher que amas” (Ec 9:9).
A afetividade e o companheirismo são dons divinos, e devem ser desfrutados com gratidão.
Esta é a porção do homem nesta vida efêmera, dada por Deus em meio ao labor e à transitoriedade.
“Tudo quanto te vier à mão para fazer, faze-o conforme as tuas forças” (Ec 9:10). Este é um chamado à diligência, ao compromisso com o presente.
Uma vez que a morte representa o fim da atividade humana neste mundo, é sensato viver com propósito, intensidade e responsabilidade.
A imprevisibilidade da vida e o valor da sabedoria (Eclesiastes 9:11-18)
O autor observa que “não é dos ligeiros o prêmio, nem dos valentes a vitória” (Ec 9:11).
A vida é marcada por incertezas, onde a habilidade, a força ou a sabedoria nem sempre garantem sucesso. Tempo e acaso são variáveis que escapam ao controle humano.
Essa imprevisibilidade é ilustrada por uma história: uma pequena cidade é salva por um homem pobre e sábio (Ec 9:15).
A sabedoria, apesar de eficaz, foi esquecida. Isso revela como muitas vezes as vozes mais valiosas são silenciadas ou ignoradas por não se alinharem com os padrões de poder e riqueza.
Salomão conclui que “melhor é a sabedoria do que as armas de guerra” (Ec 9:18), mas lamenta que um único pecador possa destruir muito bem construído.
A sabedoria, embora muitas vezes desprezada, é superior à força bruta e à insensatez.
O contraste entre sabedoria e tolice (Eclesiastes 10)
Neste capítulo, Salomão explora como “uma mosca morta faz o unguento do perfumador exalar mau cheiro” (Ec 10:1).
Uma pequena atitude insensata pode comprometer toda uma vida de reputação e sabedoria. O comportamento humano exige vigilância constante.
O autor também denuncia a inversão de valores na sociedade: servos andando a cavalo e príncipes a pé (Ec 10:7).
Ele critica a falta de critério nas lideranças, onde tolos são exaltados e os sábios rebaixados, gerando injustiça e desordem social.
A sabedoria é apresentada como um caminho que antecipa problemas e evita perigos: “se o ferro está embotado, e não se lhe afia o corte, é preciso redobrar a força” (Ec 10:10).
A eficácia vem da preparação inteligente, não apenas do esforço bruto.
A generosidade e a sabedoria na juventude (Eclesiastes 11)
“Lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás” (Ec 11:1).
Esse provérbio ensina sobre a generosidade e a fé no retorno futuro. Em um mundo incerto, é sensato investir em boas obras e diversificar os esforços.
Salomão adverte contra a paralisia provocada pelo perfeccionismo: “Quem somente observa o vento nunca semeará” (Ec 11:4).
Esperar condições ideais impede a ação. A sabedoria está em agir com os recursos disponíveis, confiando em Deus para os resultados.
“Alegra-te, jovem, na tua juventude” (Ec 11:9), diz o autor, mas com um alerta: Deus pedirá contas.
A juventude deve ser vivida com intensidade e temor, reconhecendo que todas as escolhas têm consequências.
A lembrança do Criador na velhice (Eclesiastes 12:1-14)
“Lembra-te do teu Criador nos dias da tua mocidade” (Ec 12:1) é o clímax do chamado à sabedoria.
O capítulo 12 apresenta uma poética descrição da velhice, com imagens que retratam o enfraquecimento do corpo e o fim da vida.
As analogias como “o fio de prata” e “o copo de ouro” (Ec 12:6) apontam para a fragilidade da existência humana.
A morte é descrita como a quebra de um sistema delicado e belo, que retorna ao pó, enquanto o espírito volta a Deus (Ec 12:7).
Por fim, Salomão conclui: “De tudo o que se tem ouvido, a suma é: Teme a Deus e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de todo homem” (Ec 12:13).
Esta é a essência da sabedoria: viver com reverência e obediência ao Criador.
Conclusão
Os capítulos finais de Eclesiastes são uma síntese da existência humana diante da eternidade.
A vida é incerta, breve e muitas vezes injusta sob a perspectiva terrena. No entanto, Deus permanece soberano, e é Nele que se encontra a verdadeira segurança.
A sabedoria não está em evitar a dor ou buscar prazer incessante, mas em viver com discernimento, temor de Deus e responsabilidade.
Desde a juventude até a velhice, somos chamados a reconhecer a mão divina que conduz todas as coisas.
O livro termina com um forte apelo à consciência: Deus trará a juízo todas as obras (Ec 12:14).
Assim, o verdadeiro sentido da vida está em temer ao Senhor, obedecê-lo com amor e viver cada dia com propósito eterno.
Referências Bibliográficas
BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos Almeida. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2ª edição, São Paulo:Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
MacDonald, William. Comentário bíblico popular. Antigo Testamento. 1ª edição, São Paulo: Mundo Cristão, 2004.