Os últimos capítulos de 1º Samuel trazem um desfecho dramático e espiritual profundo para a história do rei Saul e a ascensão de Davi.
Nesses quatro capítulos (28 a 31), vemos um contraste gritante entre dois homens em momentos cruciais de suas trajetórias: Saul, desamparado e entregue à desesperação, e Davi, fortalecido no Senhor mesmo diante de adversidades.
O juízo de Deus sobre Saul se cumpre, e o caminho para o reinado de Davi se torna inevitável.
O capítulo 28 inicia com um dos eventos mais sombrios da história de Israel: Saul, abandonado por Deus, recorre à necromancia.
Este episódio revela não somente o desespero do rei, mas também o cumprimento da palavra profética contra sua desobediência.
Nos capítulos seguintes, enquanto Davi é providencialmente afastado do combate contra Israel, ele enfrenta os amalequitas e demonstra liderança, justiça e fé.
Por fim, em 1º Samuel 31, temos o trágico fim de Saul e de seus filhos, culminando na derrota de Israel.
Este artigo busca explorar cada um desses momentos em detalhes, com base na Bíblia Sagrada e comentários teológicos.
Saul e a consulta à médium de En-Dor (1Sm 28)
A narrativa de 1 Samuel 28 é carregada de drama espiritual. Saul, diante da iminente batalha contra os filisteus, busca ouvir a voz de Deus, mas não recebe resposta nem por sonhos, nem pelo Urim, nem pelos profetas (v.6).
Em desespero, ele se disfarça e procura uma médium em En-Dor, violando a própria lei que ele havia imposto (v.3). Este ato revela não apenas o desespero, mas também o declínio moral e espiritual de Saul.
Ao consultar a médium, Saul pede para falar com Samuel. Surpreendentemente, um espírito com a aparência de Samuel aparece, levando muitos comentaristas a crerem que Deus interrompeu o ritual ocultista para transmitir seu juízo último ao rei.
O espírito com aparência de Samuel, em sua mensagem, reafirma que o Senhor havia se afastado de Saul por sua desobediência à ordem divina quanto à destruição dos amalequitas (v.18). A profecia é contundente: Saul e seus filhos morreriam no dia seguinte (v.19).
O impacto emocional dessa mensagem é devastador. Saul cai por terra, sem forças, dominado pelo medo e pela fome (v.20).
A narrativa termina com um jantar sombrio oferecido pela médium, simbolizando o último alimento de um rei condenado. Este episódio marca o clímax do abandono divino e da queda espiritual de Saul.
A dispensa de Davi pelos filisteus (1Sm 29)
Enquanto os filisteus se preparam para a batalha, Davi e seus homens estão entre eles, servindo sob Aquis, rei de Gate.
Embora Aquis confiasse em Davi, os príncipes filisteus questionam sua lealdade e temem traição (v.3-4). Eles lembram da fama de Davi como matador de filisteus: “Saul feriu os seus milhares, porém Davi, os seus dez milhares” (v.5).
Diante dessa pressão, Aquis relutantemente dispensa Davi e o aconselha a retornar em paz (v.6-7). Davi questiona a decisão, talvez fingindo lealdade, mas acaba obedecendo.
Deus, por sua providência, impede que Davi lute contra seu próprio povo, poupando-o de um possível conflito de lealdade e de derramar sangue israelita.
Este capítulo mostra a soberania divina operando mesmo em meio a alianças questionáveis.
A resposta de Davi pode ser interpretada como parte de sua estratégia para manter sua posição entre os filisteus.
Contudo, vemos aqui a mão de Deus preservando seu servo de um erro trágico e preparando-o para um novo desafio em Ziclague.
O saque de Ziclague pelos amalequitas (1Sm 30:1-6)
Ao retornar para Ziclague, Davi encontra a cidade destruída e suas mulheres e filhos levados pelos amalequitas (v.1-3).
O desespero toma conta do povo, e até mesmo seus homens pensam em apedrejá-lo (v.6).
Neste momento de crise extrema, Davi se fortalece no Senhor, demonstrando fé e dependência de Deus.
A perda foi devastadora. Tudo estava em ruínas, e o coração dos guerreiros estava em amargura. Mas é nesse momento que Davi se destaca como um verdadeiro líder espiritual.
Ele busca direção divina por meio de Abiatar e da estola sacerdotal (v.7), um gesto que contrasta fortemente com a atitude de Saul, que buscou respostas em fontes condenadas por Deus.
O versículo 8 marca a virada na narrativa: Deus responde a Davi e o encoraja a perseguir os inimigos, prometendo vitória.
Essa interação mostra que, apesar das dificuldades, Davi mantinha seu relacionamento com o Senhor intacto, sendo um homem segundo o coração de Deus.
Davi derrota os amalequitas e estabelece a justiça (1Sm 30:7-25)
Com a aprovação divina, Davi parte em perseguição aos amalequitas com seiscentos homens.
No caminho, duzentos ficam para trás devido ao cansaço (v.9-10). Mesmo assim, Davi continua com os outros quatrocentos.
Deus providencia um servo egípcio abandonado, que guia Davi ao acampamento inimigo (v.11-15).
Davi encontra os amalequitas celebrando o saque, e os ataca com intensidade, derrotando-os completamente (v.16-17).
Todo o povo e os bens são recuperados, inclusive as duas esposas de Davi (v.18-19). Esse triunfo revela a fidelidade de Deus em cumprir Suas promessas quando confiamos Nele.
No retorno, surge uma questão de justiça: alguns homens não querem dividir o despojo com os que ficaram no ribeiro de Besor (v.22).
Davi, com sabedoria, declara que todos têm parte igual, estabelecendo um princípio de equidade que se torna estatuto em Israel (v.24-25). Este ato destaca sua liderança justa e sua compreensão da graça divina.
A generosidade de Davi com os anciãos de Judá (1Sm 30:26-31)
Com os despojos da vitória, Davi demonstra gratidão e sabedoria política. Ele envia presentes aos anciãos de Judá e a outras cidades onde havia passado (v.26-31).
Este gesto reforça sua aliança com os líderes locais e prepara o caminho para sua aceitação como rei. Davi reconhece que a vitória é do Senhor e, por isso, compartilha a bênção.
Isso contrasta com o comportamento egoísta de alguns de seus homens e mostra um coração pastoril, voltado ao cuidado com o povo. Além disso, esse ato aumenta sua popularidade entre os israelitas.
Esse movimento de Davi revela sua habilidade em unir espiritualidade com liderança estratégica.
Ele não apenas venceu os amalequitas, mas usou o resultado da batalha para consolidar sua posição e influência entre as tribos de Israel.
A derrota de Israel e a morte de Saul (1Sm 31)
Enquanto Davi triunfa, Saul enfrenta seu destino trágico. Os filisteus atacam e derrotam Israel no monte Gilboa, matando os filhos de Saul, inclusive Jônatas (v.2).
Ferido e temendo ser humilhado, Saul tenta persuadir seu escudeiro a matá-lo, mas acaba tirando a própria vida (v.4). A morte de Saul é o clímax de sua desobediência e distanciamento de Deus.
O escudeiro também se suicida, e os israelitas fogem, abandonando suas cidades (v.6-7). Os filisteus profanam os corpos, cortando a cabeça de Saul e pendurando seus restos em Bete-Seã (v.9-10).
Contudo, os homens valentes de Jabes-Gileade, em um ato de coragem e honra, resgatam os corpos e os sepultam (v.11-13).
Este gesto final lembra o início do reinado de Saul, quando ele libertou essa cidade (1Sm 11). Assim termina sua história, com juízo e tragédia.
Conclusão
Os capítulos finais de 1º Samuel apresentam um paralelo entre a decadência de Saul e a ascensão de Davi.
Enquanto um se perde na desobediência e desespero, o outro encontra força e direção em Deus. A história de Saul é um alerta solene sobre o perigo de rejeitar a vontade divina e buscar soluções em fontes condenadas.
Por outro lado, Davi emerge como um líder justo, dependente do Senhor e disposto a ouvir Sua voz mesmo em momentos de crise.
Sua capacidade de liderar, guerrear, dividir os despojos e cuidar do povo aponta para o rei segundo o coração de Deus.
Este trecho das Escrituras nos desafia a considerar nossa própria relação com Deus. Quando as respostas não vêm, buscamos ao Senhor com fé ou cedemos ao desespero como Saul?
Que possamos aprender com os exemplos e advertências presentes nesses capítulos e viver segundo a vontade do nosso Rei eterno.
Referências Bibliográficas
BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos Almeida. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2ª edição, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
MacDonald, William. Comentário bíblico popular. Antigo Testamento. 1ª edição, São Paulo: Mundo Cristão, 2004.