Os capítulos 4 e 5 do livro de Jeremias revelam um dos momentos mais críticos da história espiritual de Judá.
Por meio do profeta, Deus faz um chamado intenso ao arrependimento e anuncia, de forma clara e inegociável, o juízo que viria pelo avanço da Babilônia.
Jeremias, profundamente comovido, descreve a iminente destruição de forma poética e dolorosa, como um homem que sente, no próprio coração, as dores de seu povo.
O capítulo 4 começa com uma convocação divina: “Se voltares, ó Israel, diz o SENHOR, volta para mim” (Jr 4:1).
Essa frase carrega tanto a esperança de restauração quanto a urgência de mudança.
Deus deixa claro que não bastava aparência religiosa ou rituais externos; era preciso uma verdadeira transformação interior, representada pela “circuncisão do coração”.
Já no capítulo 5, o foco se volta para a corrupção generalizada. Não havia um justo sequer, nem entre o povo simples nem entre os grandes líderes.
A justiça havia sido abandonada, a idolatria se multiplicava, e até mesmo profetas e sacerdotes estavam corrompidos.
A mensagem é direta: quando toda a estrutura moral de uma nação está comprometida, o juízo divino é inevitável.
O chamado ao arrependimento (Jeremias 4:1-4)
Deus inicia a mensagem oferecendo uma oportunidade real de reconciliação. A condição é clara: remover as “abominações” e voltar-se sinceramente para o Senhor.
Essa chamada não é apenas para abandonar ídolos, mas para uma mudança de coração — algo que, no Antigo Testamento, é simbolizado pela circuncisão, mas que, aqui, é espiritual.
O versículo 3 traz uma metáfora agrícola: “Lavrai para vós outros campo novo e não semeeis entre espinhos”.
Isso indica que o coração endurecido e cheio de pecado é como solo improdutivo.
Antes de plantar a semente da Palavra, é preciso remover as ervas daninhas do pecado, caso contrário, não haverá frutos.
Deus adverte que, se não houver essa transformação, seu furor virá “como fogo” e não será apagado.
Aqui vemos a teologia da responsabilidade humana: a salvação e o livramento estão condicionados à resposta obediente ao chamado divino.
A ameaça do invasor do norte (Jeremias 4:5-13)
Logo após o apelo ao arrependimento, Jeremias anuncia a ameaça que viria “do Norte” — uma referência clara à Babilônia.
O inimigo é descrito com imagens de poder e terror: um leão que deixa sua toca, carros velozes como tempestades e cavalos mais ligeiros que águias.
O toque da trombeta (v. 5) simboliza a urgência de buscar refúgio, mas, ao mesmo tempo, mostra que já não há mais tempo para resistência.
O profeta também compara a invasão a um “vento abrasador”, como o siroco do deserto, que queima e destrói tudo pelo caminho.
Jeremias, no versículo 10, expressa sua perplexidade ao ver que promessas de paz no passado pareciam agora dar lugar a ameaças de guerra.
Esse momento de crise espiritual do profeta nos lembra que, mesmo os servos fiéis de Deus, podem enfrentar dúvidas em meio às tribulações, mas a fidelidade do Senhor permanece inabalável.
O lamento profético e a visão de desolação (Jeremias 4:14-31)
A partir do versículo 14, Deus volta a exortar Jerusalém a lavar o coração da malícia. Mas a resposta do povo continua sendo rebelião.
Então Jeremias recebe visões proféticas do que estava por vir: cidades vazias, terra sem forma e vazia, céus sem luz, aves fugindo e campos férteis transformados em deserto.
Essa descrição remete ao caos anterior à criação (Gênesis 1:2), mostrando que o pecado de Judá levaria a uma “descriação” da ordem estabelecida por Deus.
A destruição não seria apenas física, mas uma reversão simbólica da bênção da criação.
Mesmo diante desse cenário sombrio, Deus afirma que não destruirá completamente a nação (v. 27). Isso aponta para a aliança e para a promessa messiânica futura.
O lamento de Jeremias é intenso — ele compara a dor de Sião à de uma mulher em trabalho de parto, expressando a gravidade do sofrimento que se aproximava.
A busca por um justo e a corrupção generalizada (Jeremias 5:1-9)
O capítulo 5 começa com um teste moral: se houvesse apenas um homem justo em Jerusalém, Deus pouparia a cidade.
Essa busca ecoa a intercessão de Abraão por Sodoma (Gênesis 18:23-33), mas aqui o resultado é trágico — não há sequer um justo.
Jeremias procura entre os pobres e encontra ignorância espiritual. Busca entre os líderes e encontra rebelião consciente.
O diagnóstico é devastador: a nação inteira está afastada de Deus. Como resposta, o juízo é ilustrado por três predadores — leão, lobo e leopardo — símbolos de ataque repentino e inevitável.
A pergunta de Deus no versículo 9 é retórica e penetrante: “Deixaria eu de castigar estas coisas?”. A justiça divina exige resposta diante da corrupção moral e espiritual.
O inimigo designado por Deus (Jeremias 5:10-19)
Deus ordena que o inimigo invada, mas com a condição de não destruir totalmente. Essa limitação reforça que o juízo, embora severo, tem propósito corretivo.
Os babilônios são descritos como uma “nação de longe”, forte e antiga, cuja língua o povo de Judá não compreende.
A invasão não pouparia nada: colheitas, filhos, rebanhos e cidades fortificadas. Mas, novamente, Deus assegura que não acabará completamente com seu povo, preservando um remanescente fiel.
O motivo da disciplina é claro: “Como vós me deixastes e servistes a deuses estranhos […] assim servireis a estrangeiros em terra que não é vossa” (v. 19).
Trata-se de uma medida de justiça proporcional — o povo colhe aquilo que plantou.
A cegueira espiritual e o colapso moral (Jeremias 5:20-31)
A última seção é um diagnóstico espiritual profundo. O povo é chamado de “insensato e sem entendimento”, pois, apesar de terem olhos e ouvidos, não percebem a realidade espiritual.
Deus lembra que até o mar obedece aos seus limites, mas Judá rompeu todos os limites morais.
As bênçãos da chuva e das colheitas são retidas por causa do pecado. Entre o povo, há homens que agem como caçadores de pássaros, tramando armadilhas para explorar os outros.
A injustiça social é evidente: os órfãos não têm sua causa defendida, e o direito dos necessitados é ignorado.
O clímax vem nos versículos 30 e 31: profetas mentem, sacerdotes governam com eles e o povo prefere assim.
Essa cumplicidade generalizada mostra que a corrupção não estava apenas nas lideranças, mas na própria sociedade, que aceitava e até desejava tais práticas.
Conclusão
Jeremias 4 e 5 revelam uma tensão constante entre a misericórdia que convida ao arrependimento e a justiça que exige juízo.
Deus oferece a chance de retorno, mas o povo, de forma teimosa, escolhe a rebelião. O resultado é inevitável: disciplina pela mão de uma nação estrangeira.
O texto também nos mostra o coração pastoral de Jeremias, que sofre profundamente pelo destino de seu povo.
Ele não é apenas um mensageiro frio do juízo, mas alguém que sente o peso da mensagem que proclama. Isso nos lembra que a verdadeira profecia é acompanhada de compaixão.
Por fim, a preservação de um remanescente nos lembra que o juízo de Deus nunca é sem esperança.
Mesmo no meio da disciplina, o Senhor mantém seus planos de redenção, apontando para o Messias e para a restauração final de todas as coisas.
Referências Bibliográficas
BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos Almeida. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2ª edição, São Paulo:Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
MacDonald, William. Comentário bíblico popular. Antigo Testamento. 1ª edição, São Paulo: Mundo Cristão, 2004.