O livro de Rute é uma das mais belas narrativas da literatura bíblica, oferecendo uma mensagem poderosa de redenção, lealdade e providência divina.
Ambientado no período turbulento dos Juízes, onde “cada um fazia o que parecia bem aos seus olhos” (Juízes 21:25), a história de Rute surge como um oásis de fidelidade e esperança.
Com apenas quatro capítulos, a obra apresenta uma sequência envolvente de eventos que culminam na genealogia do rei Davi, antepassado de Jesus Cristo, segundo a carne (Mateus 1:5).
Narrado com delicadeza e profundidade teológica, o livro começa com tragédia e termina com redenção.
Nele, vemos a vida de Noemi, uma mulher hebreia que, ao lado de sua nora moabita Rute, retorna a Belém de Judá após sofrer grandes perdas.
Através de sua experiência, podemos refletir sobre temas centrais da fé cristã: a soberania de Deus, a lealdade nas relações humanas, e o papel do redentor na lei mosaica.
A profundidade espiritual de Rute vai além de sua narrativa simples. Cada detalhe carrega significados simbólicos e doutrinários importantes.
Desde a fome em Belém até o nascimento de Obede, avô de Davi, o leitor é convidado a perceber como Deus guia silenciosamente os eventos cotidianos para cumprir Seus propósitos eternos.
Este resumo explicativo busca explorar os aspectos teológicos e práticos de cada capítulo, permitindo uma compreensão mais rica do texto sagrado.
A decadência e o sofrimento em Moabe (Rute 1:1-5)
A narrativa inicia-se com um contexto de crise: “houve fome na terra” (Rute 1:1). Essa situação revela o cenário espiritual de Israel no tempo dos Juízes, marcado por desobediência e consequente disciplina divina.
Elimeleque, homem de Belém de Judá, decide migrar com sua família para Moabe, uma atitude questionável, considerando que Moabe era um povo hostil e espiritualmente distante dos israelitas (Deuteronômio 23:3-6).
O nome “Elimeleque” significa “meu Deus é Rei”, um contraste com sua escolha de sair da Terra Prometida. Sua esposa, Noemi (“agradável”), e seus filhos, Malom (“doente”) e Quiliom (“definhamento”), mostram pela própria nomenclatura uma realidade de decadência.
A decisão de se estabelecer em Moabe resultou em tragédia: a morte de Elimeleque e de seus filhos, deixando Noemi viúva e desamparada.
Os casamentos dos filhos com mulheres moabitas, Orfa e Rute, também transgrediam as diretrizes mosaicas (Deuteronômio 7:1-3).
Embora a Lei fosse clara sobre alianças com povos idólatras, vemos que, mesmo nesse contexto, a graça divina está presente, pois Rute tornar-se-ia parte da linhagem do Messias.
A seção reflete sobre as consequências da desobediência, mas também prenuncia a redenção que virá.
O retorno a Belém e a fidelidade de Rute (Rute 1:6-22)
Quando Noemi ouve que “o SENHOR se lembrara do seu povo, dando-lhe pão” (v.6), decide retornar a Belém.
Este retorno simboliza o arrependimento e a busca por restauração. No caminho, Noemi encoraja suas noras a voltarem para suas casas.
Orfa retorna, mas Rute se apega à sogra com uma das declarações mais tocantes da Bíblia (v.16-17), demonstrando uma conversão sincera e compromisso inabalável.
A decisão de Rute foi marcada por coragem, renúncia e fé. Ela abandonou sua cultura, sua religião e seu futuro previsível por uma vida de incertezas ao lado de Noemi.
Seu amor leal contrasta com a amargura de Noemi, que ao retornar à cidade pede para ser chamada de “Mara” (“amarga”) (v.20).
Noemi representa aqueles que, mesmo voltando ao caminho de Deus, ainda carregam as marcas do sofrimento e da perda.
Apesar do sofrimento, o texto encerra com uma nota de esperança: “chegaram a Belém no princípio da sega da cevada” (v.22).
Este detalhe cronológico prenuncia a providência divina, pois a colheita se tornará o palco de um novo começo para ambas.
A fidelidade de Rute e o retorno de Noemi se tornam os pilares de um novo capítulo na história de redenção.
Rute no campo de Boaz (Rute 2:1-23)
O segundo capítulo introduz Boaz, “homem poderoso e rico” (v.1), parente de Elimeleque.
Rute decide rebuscar espigas nos campos conforme a Lei Mosaica permitia aos necessitados (Levítico 19:9-10).
Pela providência divina, ela entra justamente no campo de Boaz. Ao saber quem era Rute, Boaz a trata com generosidade e respeito.
Boaz representa uma figura do Cristo redentor: rico, bondoso, conhecedor da história de Rute e disposto a abençoá-la.
Ele lhe oferece alimento, proteção e dignidade, atitudes raras em relação a uma estrangeira.
Ao elogiar a lealdade de Rute a Noemi, Boaz proclama: “O SENHOR retribua o teu feito, e seja cumprida a tua recompensa do SENHOR, Deus de Israel, sob cujas asas vieste buscar refúgio” (v.12).
Noemi, ao saber dos acontecimentos, percebe a mão de Deus agindo. Ela revela que Boaz é um “resgatador” (goel), instituição legal que permitia a redenção da propriedade e da linhagem familiar (Levítico 25:25).
A presença de Boaz reacende a esperança no coração de Noemi e aponta para o desdobramento do plano divino.
O pedido de redenção de Rute (Rute 3:1-18)
Noemi, movida pelo desejo de garantir um futuro seguro para Rute, elabora um plano para que ela reivindique seu direito de resgate por Boaz.
Rute segue cuidadosamente as instruções da sogra e, com recato e coragem, se apresenta a Boaz durante a noite na eira, em um gesto simbólico e respeitoso (v.9).
Ao pedir que Boaz estenda sua capa sobre ela, Rute faz um apelo claro por redenção e casamento (Ezequiel 16:8). Boaz se mostra honrado pela atitude dela, reconhecendo seu caráter virtuoso.
Contudo, ele informa que existe um parente mais próximo com prioridade legal no direito de resgate. Ainda assim, garante que resolverá a questão no dia seguinte (v.13).
Boaz, mais uma vez, demonstra generosidade ao enviar Rute de volta com uma significativa oferta de cevada, reafirmando sua intenção de agir com prontidão.
Noemi, ao ouvir o relato, confia que Boaz não descansará até cumprir sua promessa (v.18).
Este capítulo ilustra a esperança ativa: um desejo piedoso aliado a ações prudentes na vontade de Deus.
Boaz assume seu papel de resgatador (Rute 4:1-12)
Boaz dirige-se à porta da cidade, local onde as questões legais eram resolvidas. Com testemunhas presentes, ele apresenta o caso ao parente mais próximo, que inicialmente demonstra interesse na terra de Elimeleque.
Contudo, ao saber que o resgate inclui se casar com Rute, desiste, temendo prejudicar sua herança (v.6).
Assim, Boaz adquire legalmente os bens de Elimeleque e toma Rute por esposa, perpetuando o nome de Malom (v.10).
Os anciãos e o povo presente abençoam a união, desejando que Rute seja como Raquel e Lia, matriarcas de Israel. Esta seção ressalta a legalidade, o respeito à tradição e o valor da fidelidade pactual.
O gesto do calçado (v.7-8) simboliza a transferência de direitos. A omissão do nome do primeiro resgatador é simbólica, representando a perda de relevância por não cumprir seu dever.
Em contraste, Boaz se destaca como exemplo de responsabilidade, amor e compromisso com a lei e com o próximo.
A redenção plena e a linhagem de Davi (Rute 4:13-22)
O casamento de Boaz e Rute é abençoado com o nascimento de Obede. As mulheres da cidade louvam a Deus pela bondade demonstrada a Noemi, que agora tem um “resgatador” em sua descendência (v.14). Obede se torna um sinal de renovação, alegria e continuidade familiar.
Noemi, que antes se dizia amarga, agora embala em seus braços a esperança restaurada.
O nascimento de Obede é também significativo profeticamente, pois ele é pai de Jessé e avô de Davi. O texto enfatiza que Deus transforma a tristeza em alegria e a esterilidade em fertilidade.
O livro se encerra com uma genealogia (v.18-22), ligando Perez, filho de Judá, a Davi, e prenunciando a linhagem messiânica.
A história de Rute não é apenas sobre redenção individual, mas também sobre o plano redentor universal de Deus que culmina em Cristo, o verdadeiro Redentor.
Conclusão
O livro de Rute é uma poderosa narrativa teológica e moral. A partir da tragédia inicial, Deus constrói uma história de esperança, cura e propósito eterno.
A fidelidade de Rute, a sabedoria de Noemi e a integridade de Boaz são elementos que revelam como a graça divina opera silenciosa, mas eficazmente, na vida daqueles que confiam no Senhor.
Ao analisarmos os capítulos 1 a 4, vemos que nenhum detalhe está fora do controle soberano de Deus.
Mesmo em tempos de crise e sofrimento, Ele está trabalhando para o bem daqueles que O amam (Romanos 8:28).
A história de Rute nos encoraja a sermos leais, esperançosos e obedientes, mesmo diante das adversidades.
Finalmente, Rute nos aponta para Jesus Cristo, nosso verdadeiro Redentor, que não apenas nos resgatou, mas também nos deu um nome, uma família e uma esperança eterna.
Assim como Boaz redimiu Rute, Cristo nos redimiu com Seu próprio sangue, garantindo-nos um lugar na linhagem eterna da graça divina.
Referências Bibliográficas
BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudos Almeida. Tradução de João Ferreira de Almeida. 2ª edição, São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
MacDonald, William. Comentário bíblico popular. Antigo Testamento. 1ª edição, São Paulo: Mundo Cristão, 2004.